segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Farsa Social Mundial

O Fórum Social Mundial foi um espetáculo. Um espetáculo promovido por grupos de varias tendências, de diversos lugares, diversos (por vezes conflitantes) “mundos possíveis”. Foi uma grande oportunidade para toda a “esquerda” aparecer. Nenhum grupo “sério” podia deixar escapar a oportunidade de ir ao Fórum Social Mundial, balançar sua bandeira, aparecer na TV, nos jornais, entregar seu panfletinho “revolucionário”, tentar angariar militantes para continuarem tocando suas “lutas”. Nem mesmo os ex-companheiros, agora presidentes, faltaram à festa. Lula, Morales, Chavez passavam em carreata, protegidos por um grande aparato policial também queriam aparecer e chamaram para si todos os holofotes diante de uma platéia selecionada a dedo. Por debaixo da bandeira “um outro mundo é possível” milhares e milhares de partidos, sindicatos, organizações de diversas matizes se fragmentavam, disputavam e competiam pra ver quem aparecia mais.

Enquanto ONGs, partidos da “esquerda”, burocratas, movimentos e governos de todo o mundo discutiam “um outro mundo possível”, o mundo real se apresentava. Nos bairros da periferia de Belém foi imposto um Estado de exceção, com violentas normas que visavam “disciplinar a diversão publica” durante os dias de realização do FSM. Nos bairros Terra Firme, Guamá e Canudos depois de 22 horas era proibido circular pelas ruas. Os bares estavam fechados e qualquer aglomeração de pessoas era entendida com afronta à determinação do Governo do Estado e da Prefeitura Local no que eram prontamente reprimidos. Inúmeras denuncias de violência contra a população de Belém foram ouvidas por quem quis ouvir. Espancamentos, prisões arbitrarias, expulsão da população de rua, portões fechados, seleção econômica. É este o mundo que queremos?

Importante comentar sobre o grande aparato policial presente nas ruas de Belém nos dias de realização do FSM. Principalmente naqueles bairros que se localizavam na “Zona Vermelha” da cidade, dentro da divisão feita pela Prefeitura. A “Zona Vermelha” não por acaso correspondia justamente aos bairros mais pobres de Belém, bairros cuja a carência era visível em suas ruas de terra, onde palafitas se misturavam aos igarapés aonde o esgoto corre a céu aberto e que se localizam em frente às Universidades aonde se realizaram as atividades. Durante o dia quem saía às ruas destes bairros podia ver grandes desfiles policiais, com vinte, trinta viaturas, motos e helicópteros, com os “homens da lei” brutalmente armados, escarrando a força de uma policia política a serviço de um Estado burguês, intimidando, constrangendo e violentando a população local. Portões fechados, vigiados e controlados por seguranças e policiais para garantir o apartheid. Só entravam aqueles que portassem pulseiras ou crachás, só entraram aqueles que pagaram a inscrição. O critério que prevaleceu foi o econômico e este mundo de novo não tem nada. Talvez só a roupa, a velha roupa nova.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Desventuras de um fanfarrão

Não que a coisa em si fosse brilhante, ou que ele nunca houvesse feito aquilo antes, mas a idéia surgiu como um eco de "eureka" em sua mente: "Mas é claro! Eu sou um gênio!". E antes mesmo do horário em que costuma sair para o trabalho, tomou o rumo para o hospital.
Lá, em cerca de meia hora, nosso herói seria atendido por um entediado clínico geral. Ele perguntaria com um ar pouco interessado: "Qual o problema meu jovem?" - ao que o nosso protagonista retrucaria: "Diarréia doutor!" - encarnando um personagem que não come ou dorme por cerca de uma semana. Depois de responder negativamente se houve vômito, febre, tonteiras, sudorese excessiva, dentre outras complicações mais graves, o lânguido médico concluiria: "É uma virose. Repouse por dois dias e, se não houver melhora, volte a me procurar" enquanto assinava o tão almejado atestado médico que livraria o nosso aventureiro urbano do expediente naquele fatídico dia. Ou pelo menos assim se fez, na sua surpreendentemente leve e otimista expectativa, leve e otimista demais para uma cidade como Belo Horizonte.
Chegando lá a coisa se arrastou por mais tempo do que o esperado. Inicialmente por conta do próprio desleixo do falso doente, depois, em função de algum senso de justiça inerente à natureza das coisas, ou, se preferirmos, por puro azar mesmo. No saguão de triagem do pronto-socorro acabou por perder o chamado da sua senha enquanto jogava paciência no celular e, à porta do consultório médico, com seu atípico bom humor de enfermo, conseguiu puxar conversa com um médico e com uma enfermeira que, essa sim, estava acabada de tanto vomitar e esperava atendimento, ironicamete, no mesmo hospital que a adoentou.
Já no interior do pequenino consultório em que iniciou-se o atendimento, a inesperada atenção dada pela médica ao nosso inocente impostor deu asas à sua imaginação. O cuidado quase materno da doutora inspirou o coitado a vitimizar-se a tal ponto que, em alguns minutos, estava ele numa maca de observação tentando convencer o enfermeiro de que ele não necessitava de injeção de soro alguma.
No fim das contas, tratou de garimpar pequenas diversões no ambiente hospitalar, feito de gente aflita e sofrida por um lado, acelerada e concentrada de outro. Enquanto seu corpo drenava duas bolsas de meio litro de soro por uma veia do braço direito, reparou como os enfermeiros encarnavam ora policias do Choque, ora missionários da Cruz Vermelha ao transitarem por aqueles corredores apinhados de doentes. E como os médicos, ao tentar acalmar os pacientes, só faziam confundí-los ainda mais com meia dúzia daqueles nomes científicos a cada frase que proferiam.
Passados cerca de hora e meia desde que o deitaram na maca, tempo necessário para o seu inútil hemograma de urgência ficar pronto, se dirigiu para a saída munido do caríssimo atestado médico que, compensatóriamente, o livraria também do dia seguinte no trabalho. E foi enquanto fazia as contas do quanto o seu plano de saúde o cobraria por aquela audácia que ele estatelou em frente ao caixa do estacionamento: "Vinte e um reais?! Não é possível, você deve estar enganada!" - e a fria calma da boa funcionária: "Foram mais de três horas e meia senhor, a nossa tabela está bem ali."
"Nunca mais! Não vale a pena!" praguejava em voz alta e pressionava o curativo no braço picado de agulha o nosso desbravador dos tediosos perigos urbanos enquanto dirigia de volta para casa. "Da próxima vez a minha mãe saiu com a minha cópia da chave e eu fiquei preso dentro de casa! 'Eu moro no quinto andar chefe! Não dá pra pular!'... Será que ele vai se lembrar que eu moro no primeiro?"

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Zapatismo Urbano


John Holloway

Retirado de: http://sabotagem. revolt.org/ node/944

Enviado por viento de abajo em 31 Março, 2008 - 4:15am.

I
Eu não sou um camponês indígena. Provavelmente você, caro leitor, tampouco seja um camponês indígena. Mesmo assim, esta discussão gira em torno de uma revolta camponesa indígena.
Os zapatistas de Chiapas são camponeses. A maior parte dos que escrevem e lêem este jornal é composta por habitantes da cidade. Nossas experiências são muito distantes daquelas dos zapatistas de Chiapas. Nossas condições são muito diferentes daquelas dos zapatistas de Chiapas, e nossas formas de luta também. Mesmo assim, a ressonância da revolta zapatista nas cidades foi enorme. Por quê? O que o zapatismo significa nas cidades?

Houve duas formas de reação nas cidades. A primeira é a reação de solidariedade: a luta dos indígenas de Chiapas é uma luta justa, e nós damos a ela todo o apoio material e político possível. A solidariedade define a luta como sendo a luta "deles", e "eles" são índios que vivem em Chiapas. Não repudio essa reação, mas não é isso o que me interessa aqui.

A segunda reação vai muito mais além. Aqui não é uma questão de solidariedade com a luta de outros, mas de entender que os zapatistas e nós mesmos somos parte da mesma luta. Os zapatistas de Chiapas não nos dão um modelo que possamos aplicar à nossa parte da luta, mas vemos sua forma de luta como uma inspiração para o desenvolvimento de nossas formas de luta. Neste sentido podemos falar da expansão do zapatismo nas cidades, do desenvolvimento de um zapatismo urbano, para o qual o EZLN não é um modelo mas um constante ponto de referência.

Não há progressão linear aqui. Não estamos falando da expansão de uma organização (apesar de que certamente a expansão da Frente Zapatista no México é parte do processo). Tampouco se trata realmente de uma questão da expansão de uma influência de Chiapas. Não se trata de que as decisões do EZLN tenham influência nas lutas em Roma ou em Buenos Aires. É antes uma questão de ressonância e inspiração. A revolta zapatista teve enorme impacto nas cidades do mundo porque os temas que o EZLN levanta e as orientações que eles sugerem ressonaram fortemente com as preocupações e direções das pessoas nas cidades. Eles foram uma fonte constante de inspiração, porque formularam com particular clareza (não somente nos comunicados, mas em suas ações) direções e temas que já estavam presentes nas lutas das cidades.

O propósito de falar de zapatismo urbano é duplo. Por um lado é uma forma de focar mais de perto esse processo. O que é essa ressonância? Trata-se de uma ressonância real ou imaginária? Quais são as diferenças entre o zapatismo nas cidades e o zapatismo no campo? Quais são os problemas práticos para o desenvolvimento desse tipo de política nas cidades?
Mas, adicionalmente, falar de zapatismo urbano é falar de zapatismo como um desafio. Os zapatistas não pedem nossas simpatia nem nossa solidariedade. Comemorar os 10 e os 20 anos do EZLN não deveria ser uma celebração deles, mas um desafio para nós. Eles nos pedem para nos juntarmos em sua luta por um mundo de dignidade. Como o fazemos, nós que vivemos nas cidades, nós que escrevemos e lemos esse jornal?
II
A revolta zapatista foi um ponto de referência fundamental das lutas urbanas nos últimos dez anos. Mesmo assim há óbvias diferenças nas condições e formas de luta. Nós que vivemos nas cidades e vemos os zapatistas não estamos organizados como um exército. Não vivemos dentro de formas de estruturas de suporte comunais que existem em Chiapas. Não temos terra para plantar os víveres básicos necessários à sobrevivência, e não estamos, de forma geral, acostumados com os níveis de completa pobreza que constitui a experiência diária dos zapatistas de Chiapas.
Há aspectos na revolta zapatista que não encontraram nenhum eco nas cidades. Nós, zapatistas urbanos, geralmente não queremos ser organizados como um exército, e freqüentemente rejeitamos o militarismo como uma forma de organização e de conceito de luta. Nos atuais debates na Itália, os zapatistas são mesmo tomados como modelo para defender uma completa rejeição de toda violência. O outro aspecto do zapatismo de Chiapas que encontra pouca ressonância nas cidades é o seu uso de símbolos nacionais – a bandeira nacional, o toque do hino nacional. O movimento zapatista urbano tende a não ser nacionalista e em muitos casos é profundamente antinacionalista. Ele tem sido menos um movimento internacional do que um movimento global, um movimento de luta para o qual o capitalismo global, e não o estado nação, tem sido o principal ponto de referência.

Quais, então, são os aspectos da revolta zapatista que encontraram eco nas cidades do mundo? O mais óbvio é o mero fato da rebelião – o fato de que os zapatistas levantaram-se quando o tempo da rebelião parecia já ter passado, o seu !Ya basta! para um mundo que é tão obviamente obsceno.

Mas há mais que isso. Trata-se também que o seu !Ya basta! se volta também contra uma esquerda que tornou-se envelhecida, rígida e alienante. É a rejeição tanto do vanguardismo revolucionário quanto do reformismo estatal, a rejeição do partido como forma organizacional e da busca do poder como objetivo.

A rejeição das velhas formas de políticas de esquerda nos deixa um enorme ponto de interrogação. Isto em si é importante. O dito zapatista "preguntando caminamos" adquire uma ressonância particular, porque somos conscientes de que não sabemos o caminho adiante. O mundo à nossa volta nos faz gritar, mas onde vamos com o nosso grito, o que fazemos com o nosso grito? A política da rebelião é uma política de busca – não pela linha correta, mas por alguma forma de caminho adiante, alguma forma de tornar nosso grito efetivo. Não há partido para nos dizer qual caminho seguir, então devemos encontrá-lo nós mesmos.

A política da pergunta nos leva a certas formas de organização. A forma organizacional dos zapatistas de Chiapas se caracteriza por uma tensão, como eles mesmo enfatizam. Esta é a tensão concentrada em seu princípio de "mandar obedeciendo". De um lado, estão organizados como um exército, com tudo o que isso significa em termos de linhas verticais de comando. Por outro, o exército se submete ao controle dos conselhos das aldeias, onde a discussão e o consenso são os princípios guias.

A rejeição do partido como uma forma organizacional significou (inevitavelmente, talvez) o renascimento do conselhismo, o renascimento do conselho ou assembléia. O conselho é a forma tradicional de expressar revolta que surge reiteradamente em rebeliões, da Comuna de Paris aos Conselhos de Bairro da recente revolta na Argentina. É uma forma de organização expressiva, que procura articular a raiva e as preocupações dos participantes. Isto pode ser contrastado com a forma partido, que não é expressiva, mas instrumental, desenhada para atingir o fim de ganhar o poder estatal. Como forma expressiva, o conselho tende a ser horizontal em suas estruturas, encorajando a livre participação de todos e procurando atingir o consenso em suas decisões. Visto dessa forma, o conselho não é tanto uma estrutura formal, mas uma orientação organizacional. Esta orientação organizacional – a ênfase na horizontalidade, o encorajamento da expressão das preocupações das pessoas, sejam ou não sejam "revolucionárias" ou "políticas" – tem sido um componente característico da atual onda de lutas urbanas: não somente dos conselhos de bairro da Argentina, mas igualmente de alguns dos grupos piqueteros, das Mães da Praça de Maio, dos Centri Sociali em Roma, Milano e Turim, do movimento altermundista em geral.

O conselhismo se relaciona com a questão da comunidade. Nas áreas zapatistas de Chiapas a comunidade existe, não como um idílio a ser romanceado, mas simplesmente porque a maior parte das pessoas de uma aldeia conhecem-se umas às outras durante toda a vida e porque há práticas estabelecidas de trabalho e tomadas de decisão comuns. Nas cidades, freqüentemente há muito pouco senso de comunidade. As pessoas que trabalham juntas não necessariamente vivem próximas, e pessoas que vivem próximas umas às outras freqüentemente não têm contato. O grito de protesto que sentimos é freqüentemente sentido como um grito isolado e desesperançado, um grito que compartilhamos na melhor das hipóteses com um punhado de amigos. A (re)construção de ligações de comunidade tem sido, portanto, um tema constante no movimento das cidades. A construção de centros sociais ou cafés alternativos, o encontro de pessoas em movimentos informais e dinâmicos criam novos padrões de comunidade e confiança mútua que são parte e parcela do desenvolvimento de formas conselhistas de organização.
Talvez o desafio central do zapatismo urbano seja o desafio da autonomia. Autonomia é simplesmente o outro lado de dizer que nós queremos mudar o mundo sem tomar o poder. Rejeitar a busca do poder estatal significa a rejeição do partido como forma de organização (entendendo partido como uma forma de organização orientada ao Estado). Mas significa muito mais que isso. Significa também uma mudança no entendimento do conflito social ou luta de classes. O conceito tradicional vê a luta de classes como uma luta pelo poder, uma luta pelo poder que inevitavelmente determina a agenda, os ritmos e as formas de luta. A confrontação é então o pivô da luta social. Se, entretanto, dizemos que não queremos tomar o poder, então muda toda a concepção de luta. O que é central agora não é a confrontação com o outro lado (o capital) mas a construção de nosso próprio mundo. Tentamos nos focar em nosso próprio fazer, para impulsionar o conflito para o nosso lado. Isto ainda é luta de classes, ainda é confronto com o capital (inevitavelmente, uma vez que o capital é a imposição de um controle externo de nossa atividade). Mas tanto quanto possível nós tomamos a iniciativa, definimos a agenda. Fazemos o capital seguir a nossa agenda, e então se torna claro que a agressão vem deles, não de nós. Não podemos ser autônomos em uma sociedade capitalista, mas podemos impelir a nossa autonomia tão longe quanto possível. O capital é a negação da autonomia, a sempre repetida negação de nossa autodeterminaçã o. (Como parte disso, o Estado é a sempre repetida negação do conselho). Se vemos a confrontação como o eixo da luta, então estamos antecipando e consequentemente participando nessa negação. Fazendo do desenvolvimento de nossa própria criatividade (nosso próprio poder-fazer) o centro do movimento, o capital é revelado como um parasita, forçado o tempo inteiro a nos perseguir. Isto é ilustrado pelo Caracoles, o estabelecimento zapatista de suas próprias Juntas de Buen Gobierno, nas quais os zapatistas desdenham o Estado, dão as costas ao Estado, não demandando nada dele nem confrontando- o abertamente, somente fazendo suas próprias coisas.
Mas fazer nossas próprias coisas, desenvolver nossa própria criatividade, não é o mesmo nas cidades e no campo. Não possuímos terra na qual possamos plantar mesmo os mais básicos alimentos. Pode ser possível ocupar terra para estas finalidades (como alguns dos grupos piqueteros na Argentina começam a fazer), mas para a maior parte dos grupos urbanos esta não é uma opção. Para desenvolver nossa autonomia somos forçados a situações contraditórias, nas quais é muito melhor reconhecer essas contradições do que maquiá-las, exatamente como os zapatistas tiveram o grande mérito de reconhecer desde o início a contradição de ser uma organização militar em um movimento pela dignidade humana. Grupos urbanos autônomos sobrevivem ou na forma de subsídios estatais (às vezes arrancados à força pelos próprios grupos, como no caso dos piqueteros que usam os bloqueios de estradas para forçar o governo a dar dinheiro aos desempregados) ou na base de alguma mistura de emprego e subsídios estatais ocasionais ou regulares. Então, muitos grupos urbanos são compostos de uma mistura de pessoas em empregos regulares, de pessoas que estão por escolha ou necessidade em empregos irregulares ou ocasionais e daqueles que (novamente por escolha ou necessidade) são desempregados, freqüentemente dependentes de subsídios estatais ou alguma forma de atividade mercantil para sua sobrevivência. Estas diferentes formas de dependência de forças que não controlamos (do capital) colocam problemas e limitações que devem ser reconhecidos. Ao mesmo tempo, a significação destas limitações obviamente depende da força coletiva dos grupos: no caso dos piqueteros, por exemplo, o pagamento dos subsídios estatais foi imposto por bloqueios de estradas e administrado pelos próprios grupos.

Todas essas diferentes formas de dependência do capital são impostas pela propriedade, pelo fato de que toda a riqueza produzida pelo fazer humano é congelada na forma de propriedade, que nos confronta e nos exclui. A limitação à nossa autônoma autodeterminaçã o aparece na forma de propriedade, atrás da qual se colocam as forças da lei e da ordem que defendem a propriedade. Parecemos ser forçados, então, de volta à lógica da confrontação na qual perdemos a iniciativa, ou na qual somos forçados a nos focar em ganhar o poder, de forma que possamos controlar a polícia e mudar as leis de propriedade. Se excluímos esse caminho (simplesmente porque o controle do Estado tende a tornar-se o controle pelo Estado), como podemos avançar? Possivelmente desfetichizando a propriedade, vendo que a propriedade não é uma coisa estabelecida, mas um processo constante de apropriação, um verbo, não um substantivo. O problema então não é conceituar nossa própria ação em termos de desafio à propriedade, mas focar em nossa própria construção de um mundo alternativo e pensar como evitar a apropriação capitalista dos produtos de nosso próprio fazer.
Todos os problemas indicados apontam para os perigos de confundir uma ênfase na autonomia com um conceito de micropolítica. A noção de autonomia, como entendida aqui, aponta para a centralidade de nosso próprio fazer e o desenvolvimento de nosso próprio poder-fazer: se vemos o mundo dessa perspectiva, então é claro que o capital é o parasita e que os assim chamados "mandatários" simplesmente nos perseguem o tempo todo tentando apropriar-se dos resultados de nosso fazer criativo. O problema da revolução é o de livrar-se dos parasitas, evitar que eles se apropriem da criatividade e de seus resultados, para fazê-los irrelevantes. Esta luta não requer nenhuma organização central (e certamente nenhuma orientação em direção ao Estado), mas sua força realmente depende de seu caráter massivo. O que qualquer grupo particular pode conseguir claramente depende da força de um movimento inteiro pressionando em direções iguais ou parecidas. A força dos grupos componentes depende da força do movimento, assim como a força do movimento depende da força dos grupos componentes.
III
Qualquer que seja o modo como pensemos a revolução, nos deparamos com a tarefa de dissolver a Realidade. A transformação do mundo significa mover-se de um mundo governado pela realidade objetiva para um mundo no qual a criatividade subjetiva é o centro, no qual a humanidade se torne o seu "próprio sol verdadeiro". A luta por tal mundo significa um constante processo de crítica, um processo de minar a objetividade da realidade e mostrar que ela depende absolutamente para sua existência da criação subjetiva. Nossa luta é a luta contra o mundo-que-é, com suas regras de lógica que nos dizem que não-há-alternativa, com sua linguagem de prosa que fecha nossos horizontes.
A poesia da revolta zapatista (de seus comunicados e de suas ações) não é periférica ao seu movimento, não é a decoração externa de um movimento fundamentalmente sério, mas central para sua luta como um todo. O fato de que os zapatistas de Chiapas (e em algum grau outros movimentos indígenas latino-americanos) tenham tido tal impacto nas lutas urbanas do mundo tem muito a ver com a linguagem que eles usam. Não é somente uma questão de palavras bonitas, ou das indubitáveis habilidades literárias de Marcos. É acima de tudo o fato de que eles oferecem uma forma diferente de ver o mundo, uma visão que quebra com a lógica dominante do não-há-alternativa. A poesia (e naturalmente outras formas de expressão) vem jogar um papel decisivo na luta anticapitalista: poesia não como palavras bonitas, mas como luta contra a lógica prosaica do mundo, poesia como o chamado de um mundo que ainda não existe.

Isto é um romantismo perigoso? Estão os zapatistas, sem intenção, levando a juventude rebelde do mundo a formas de ação que são perigosamente não realistas? Recentemente, como parte das celebrações dos 10/20, os zapatistas enfatizaram a centralidade da organização em sua luta: esta é uma forma de contrariar a impressão de que sua luta é somente poesia, somente o poder da palavra?

Talvez haja um elemento de romantismo na ressonância da luta zapatista. Às vezes, para os apoiadores dos zapatistas que visitam as comunidades zapatistas em Chiapas, há indubitavelmente um choque entre suas expectativas e a realidade de suas experiências. Em geral, entretanto, não é o caso. Aqueles ativamente envolvidos na luta, seja nas cidades ou no campo, estão a par das dificuldades que eles enfrentam e da importância da organização. A poesia do zapatismo não deflete as pessoas da questão da organização. O que ela faz, ao invés, é abrir perspectivas em um mundo que parece tão terrivelmente fechado. Mais do que isso, ela sugere formas de ação que quebram com a lógica do capital e são mais difíceis para o capital integrar na textura da dominação.

A acusação de romantismo realmente tem a ver com a questão do poder. O "realismo" é identificado com a perspectiva que foca o poder e vê a organização e a ação como sendo instrumentos para atingir certas mudanças (sejam mudanças pequenas ou a mudança radical da sociedade). O que esta perspectiva realista não consegue enxergar é que a completa instrumentalidade do enfoque leva à adoção de formas de ação e de organização que neutralizam e desmobilizam o movimento por mudança. É precisamente porque o realismo instrumental não conseguiu atingir o objetivo da mudança social radical que as pessoas em todos os lugares se distanciaram deste enfoque, em direção a formas de ação que são expressivas, ao invés de instrumentais. Parte disso é a rejeição do objetivo de tomar o poder estatal e do partido como forma organizacional. A poesia do movimento é parte do mesmo processo.

Irá este romantismo poético provar ser mais realista do que o prévio realismo socialista? Não sabemos. O que sabemos é que o realismo da política do poder fracassou para atingir uma mudança social radical, e que a esperança está em quebrar a realidade, em estabelecer nossa própria realidade, nossa própria lógica, nossa própria linguagem, nossas próprias cores, nossa própria música, nosso próprio tempo, nosso próprio espaço. Este é o núcleo da luta, não somente contra "eles", mas contra nós mesmos, que é o núcleo da ressonância zapatista.

(Traduzido por Daniel Cunha)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Enquanto isso, num país não muito distante

Noticia de jornal: produção de veículos retoma ritmo e cresce 34% sobre fevereiro.

Os operários sorriem e pensam que ganharam mais um mês de tranqüilidade e vão tentar dormir tranqüilos. Esperam garantias de que seu emprego está seguro. Mesmo que pra isso tenham que reduzir seus já reduzidos salários e direitos.

O povo nas ruas, acha que não tem nada com isso mas também não quer perder seu emprego de bobeira torce para que a “crise” acabe logo. Mesmo que para isso tenha que apertar um pouco mais o orçamento para pagar os novos impostos criados pelos Governos.

A classe média corre para as revendedoras tentando garantir de todas as formas a ultima oportunidade dada pelo Governo para que ele troque seu automóvel por um modelo mais novo e confortável. Mesmo que para isso tenha que deixar de lado as férias e os planos de viagem.

O Governo sorri e pensa em garantir mais alguns dias de tranqüilidade, afinal a eleição se aproxima. Mesmo que para isso tenha tido de renunciar a milhões de reais em impostos para garantir que as vendas não se abalassem com a “crise”.

O empresário que vai ao seu escritorio de helicoptero sentado no sofá de sua casa, abre uma garrafa de uísque, olha para todos aqueles coitados morrendo de medo em suas casa assistindo ao Jornal de sua própria emissora e pensa: Rapaz, a coisa tá saindo melhor que a encomenda...

domingo, 5 de abril de 2009

30 mil nas ruas parabenizam a OTAN por seus 60 anos


Um hotel incendiado, uma igreja e várias lojas saqueadas, vitrines quebradas, agencias bancárias destruídas, frases pixadas nos muros da cidade, dezenas de carros apedrejados... A grande recusa ao Capital?

O deserto humano desta sexta, mantido por forte aparato policial, que viveu a cidade francesa de Estrasburgo ? onde 28 chefes de Estado estão reunidos para a comemoração do 60.º aniversário de criação do Pacto Militar do Atlântico Norte (Otan) ? foi substituído por mais de 30 mil manifestantes que tomaram ruas contra a Organização. Lembrando as guerras sustentadas pelo pacto, o protesto denuncia sua história marcada pelo sangue de civis e pela violência de suas ações.

O forte esquema de repressão à manifestação da polícia francesa travou uma batalha campal contra a enorme passeata, organizada por 600 organizações de 43 países, que foi autorizada pelas autoridades locais. Em resposta, cerca de 100 manifestantes de um grupo de Black Blocks (movimentos antiglobalização) atacaram e incendiaram um hotel, uma capela, uma farmácia, um posto de Polícia desocupado e os escritórios vazios do órgão de turismo próximo da fronteira franco-alemã, junto à Ponte da Europa sobre o Reno.

Os "incidentes" deixaram ''cerca de dez pessoas levemente feridas, entre os manifestantes'', disse a Prefeitura, indicando que ''vários'' militantes foram detidos. Já a organização do protesto contra a reunião informou que já há 20 feridos, um deles hospitalizado.

Na sexta, a polícia buscou intimidar o protesto mantendo os manifestantes à distância das áreas principais da cidade, com o uso de canhões de água e gás lacrimogêneo. As autoridades também montaram um dispositivo colossal, com vários perímetros de segurança. Só para Estrasburgo, foram mobilizados cerca de 10 mil policiais e guardas nacionais.

Já neste sábado, a cúpula da Otan ocorreu sob um impressionante aparato de segurança com 25 mil policiais e 31 unidades de choque alemães e franceses para conter os protestos organizados pelos militantes. Entre quinta e sexta-feira foram registradas mais de 300 detenções. Dois policiais franceses e um fotógrafo alemão ficaram feridos.

Agentes da polícia anti-motim, equipados com capacetes e uniformes de proteção, não pouparam balas de borracha e gás lacrimogêneo para tentar impedir o protesto. Mesmo assim, pequenos grupos voltavam rapidamente a se reunir e permaneciam ocupando as ruas com gritos como ''60 anos são suficientes, não à Otan''.

Cenário de guerra

''A religião não é outra coisa senão a sombra do universo sobre a inteligência humana. Victor Hugo'', escreveram os militantes no teto de uma capela da cidade. ''Todos os soldados são assassinos'', exibia um cartaz que citava o escritor alemão Kurt Tucholsky. ''Nenhuma ação militar, nem aqui e nem no estrangeiro'', podia ler-se em outro cartaz.

No posto de polícia, os manifestantes reagiram a ordem policial de uso de jatos de água e bombas de gás e retiraram as bandeiras da entrada do território francês, quebrando vidros a pauladas e pedradas. Segundo a prefeitura, entre os manifestantes havia cerca de mil ''particularmente violentos'', e os organizadores da marcha ''expressaram a sua vontade de se desvincular dos autores dos atos de violência'', encurtando o percurso previsto da manifestação.

Nas ruas de Estrasburgo o cenário, após horas de enfrentamentos, era de caos, com pedras, restos de barricadas, vidros estilhaçados e fragmentos de bombas de gás lacrimogêneo espalhados. Antes dos confrontos, os manifestantes haviam deixado clara a sua intenção de protestar contra a realização da cúpula, ocupando as avenidas que levam ao Palácio dos Congressos.


Le Village


Durante os dias de Reunião da OTAN acontece paralelamente um outro espaço de discussão, tendo sido montado um acampamento autogerido, Le Village, nos aredores das cidades de Strasbourg (França) e Kehl (Alemanha), sedes da Cúpula que comemora os 60 anos do aparato de Guerra do Mundo Ocidental, também chamado de OTAN.

Lá estão sediados uma radio livre que transmite noticias dos eventos, cozinha vegana, espaços de atividades e discussões, oficinas, exibição de videos e várias outras atividades auto-geridas.

Radio anti-OTAN (du 1er au 5 avril) : http://stream.giss.tv:8000/antinato.mp3.m3u
http://village2009.blogsport.de/

Cartaz convidando ao espaço.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

"O arroto" Edição Comemorativa de Encerramento







Texto Integral do Fanzine "O arroto". Edição comemorativa de morte/enterro/assasinato deste fanzine horroroso, tosco, acéfalo, Pasquim de quinta categoria e vários outros elogios que ele recebeu durante sua curta e intensa existencia.

Esta edição contém uma estória em quadrinhos, algumas colagens e textos, inclusive um convidativo para a Intervenção Natalina dos Doendes em greve queimando o cretino do Papai Noel.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

[Grécia] Seqüência de ocupações universitárias em um ambiente eufórico!



Date Wed, 1 Apr 2009 17:34:49 +0200 (CEST)



[A decisão das autoridades acadêmicas de desalojar a ocupação e oescritório do Decanato em Tessalônica tem dado lugar a uma sucessão deocupações de escritórios administrativos universitários em toda a Grécia,nesta terça-feira (31). Ao mesmo tempo, manifestações paralisaram Atenasnos últimos dias antes da greve geral de quinta-feira (2).]




A decisão do Decano da universidade de Aristóteles de Tessalônica,Manthos, de desalojar os ?estudantes e radicais? que ocupavam osescritórios administrativos da universidade, cancelando de imediato todosos contratos e subcontratos da universidade com as companhias de limpezaque se solidarizavam com K. Kouneya e a luta dos limpadores, recebeu oapoio dos meios conservadores como uma dura medida contra o aumento daconscientização social. No início desta semana o Decano conclamou osacadêmicos para uma contramanifestação (contra a ocupação), que não obteveapoio nenhum. Pelo contrário, dezenas de acadêmicos declararam apoio àcausa da ocupação. A reunião convocada pelo Decano no dia 31 de janeiropara discutir a ocupação teve de ser interrompida graças à movimentaçãodos estudantes, que acabaram com o discurso do Decano quando um ovo?aterrizou? no mesmo!




Além disso, as ameaças de aumentar o amparo acadêmico (com a desculpa deque estava sendo violado pela ocupação, truque sujo e sem precedentes queservirá para maior repressão), e permitir a entrada das forçasanti-distúrbios no campus universitário em caso da ocupação não serdissolvida na terça-feira (31) ao meio-dia, resultou em uma intensacampanha de ocupações de decanatos universitários em todo o país. Ocuparamescritórios na Universidade de Atenas, um edifício situado no centro dacidade. Lá se colou um cartaz onde se lia: ? A favor das ocupações!?. Demaneira similar, foram ocupadas a Universidade de Ciências Sociais Panteãode Atenas, e de Patras, exigindo um fim imediato dos subcontratos e orespeito e apoio às ocupações como meio de luta.




Nas últimas semanas, as autoridades de ambas universidades (Atenas eTessalônica), lançaram ataques aos Centros Sociais Ocupado, exigindo umainvestigação sobre o estado dos edifícios ocupados e medidas legais contraos proprietários que não desalojassem os ocupas. Tanto em Atenas, quantoem Tessalônica, são lares de dezenas de ocupas, uma ?pedra no sapato? para o Estado.




O sucesso nos campi, foi conseguido no momento em que o Estado grego eseus lacaios estão propondo uma marcha com todo o seu arsenalpropagandístico e truques baratos sob o jugo da ?legalidade? para frearas organizações sociais que estão ocorrendo em todo o país para a grevegeral, proposta para o dia 2 de abril.




Uma grande tensão paira no ar, sobre todo o país, especialmente com aalusão de ataques contra o Estado e o capital. Em Atenas, e Tessalônica,foram alvos de ataques cinco bancos, uma concessionária, muitos veículosestatais e diplomáticos na capital grega, já em Tessalônica, um ataquesimultâneo ocorreu com bombas de gás. No centro de Atenas, escritórios dosministérios e do primeiro ministro do governo foram acertados, dando lugarao cerco policial nas ruas principais.




Ao mesmo tempo, é muito grande o conflito com as questões trabalhistas,exatamente agora com a mobilização para uma greve geral, camponeses,tecelões, tomaram Atenas em 31 de janeiro. Centenas de trabalhadores dasfábricas têxteis de Lanaras estão acampados ao redor do Ministério daEconomia desde segunda-feira (30) exigindo uma intervenção do Estado anteao colapso da indústria e garantia do recebimento de salário de dezenas deoperários. Ano passado, movimentações por parte dos trabalhadores deLanaras, terminaram em enfrentamentos violentos nos arredores da PraçaSyntagma.




Também, outros trabalhadores se reuniram em frente ao Ministério daAgricultura e marcharam até o Parlamento exigindo apoio à causa agrária.Horas antes, os trabalhadores conseguiram intervir em frente ao carro doministro da agricultura, dando lugar a uma violenta intervenção das forçasanti-distúrbios.




Tradução > Palomilla Negraagência de notícias anarquistas-ana

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Telegramas do Comitê de Ocupação da Sorbonne Autônoma e Popular

17 DE MAIO DE 1968/ BUROPOLIT DO PARTIDO COMUNISTA DA URSS O KREMLIN MOSCOU/ CAGUEM-SE DE MEDO BUROCRATAS PONTO O PODER INTERNACIONAL DOS CONSELHOS OPERARIOS LOGO LIQUIDARÁ VOCÊS PONTO A HUMANIDADE SÓ SERÁ LIVRE QUANDO O ULTIMO CAPITALISTA FOR ENFORCADO NAS TRIPAS DO ULTIMO BUROCRATA PONTO VIDA LONGA À LUTA DOS MARINHEIROS DE KROSNTADT E DA MAKHNOVITCHINA CONTRA TROTSKY E LENIN PONTO VIDA LONGA À INSURREIÇÃO CONSELHISTA DE 1956 DE BUDAPESTE PONTO ABAIXO O ESTADO PONTO VIDA LONGA AO MARXISMO REVOLUCIONARIO PONTO COMITE DE OCUPAÇÃO DA SORBONNE AUTONOMA E POPULAR