segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Belo Monte, Lula e o Monstro

A apropriação dos minérios e dos rios da Amazônia é um projeto antigo do capital internacional. Neste contexto, o PAC, com Belo Monte no topo das suas grandes obras, é uma reedição da ALCA, mas de maneira indireta. Se sua energia fosse realmente pensada como suporte para o sistema hidrelétrico nacional, as linhas que permitiriam a transmissão dos alegados 11.000 MW para o resto do país já estariam orçadas e incluídas no projeto. Mas, embora isto possa parecer um total absurdo a qualquer pessoa minimamente razoável, não estão. Não estão, pois seriam economicamente inviáveis dada a sua ociosidade em boa parte do ano, como nesta época, quando o nível do Xingu é extremamente reduzido, e a produção projetada de energia tende a zero.

Então está claro que, além dos interesses imediatos das empreiteiras e da burocracia corrupta, a pressa na mobilização dessa energia é mesmo para a exploração mineral da Amazônia para a exportação, atendendo a demandas do capital internacional. Isso fica claro na declaração recente de José Antonio Muniz, presidente da Eletrobrás, que já admite que “não será preciso uma linha de transmissão somente para Belo Monte, porque a idéia é de que parte da energia da usina fique no Pará”… “Como existem no Pará inúmeros projetos minero-metalúrgicos, é possível que parte da energia da usina fique no estado”. Ou seja, esta energia será “internacionalizada” na forma de minerais beneficiados.

A interpretação da figura do presidente Lula e de suas conseqüências para a “história deste país” ainda será por muitos anos um tema para calorosos debates. Especificamente como ele conseguiu, sem prejudicar sua popularidade e seu apelo popular (na verdade fazendo ambos crescerem), subverter o programa histórico do partido de cuja criação foi um dos principais artífices. Em seu primeiro discurso como presidente eleito, em 2003, Lula declarou que seu governo seria “um guardião da Amazônia e da sua biodiversidade” e que seu programa de desenvolvimento, em especial para a região, seria “marcado pela responsabilidade ambiental”.

Num artigo que escrevi na época (e que hoje me constrange pela ingenuidade), concluí que Lula poderia ser um dos “cinco presidentes inteligentes e amantes da natureza”, necessários “para salvar a Amazônia”. Isso, segundo o pensamento do professor Warwick Kerr, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em referência à destruição então prevista para os vinte anos seguintes. Por outro lado, o que ali se manifestava desde o início era uma das principais características de Lula, presentes até hoje: sua tão comentada capacidade de permanecer em campanha depois da posse e, especificamente na área ambiental, de adotar um discurso progressista, mas incompatível com as práticas do governo no mundo real. Com o decorrer do tempo, foi ficando cada vez mais clara sua opção pela internacionalização da região, através do apoio inconteste ao agronegócio exportador, às mineradoras e às grandes hidrelétricas, tudo em detrimento da nossa diversidade cultural e biológica.

Recentemente, apesar de desiludido com o presidente Lula no que se refere à problemática ambiental, fiquei intrigado quando soube que o bispo da Prelazia do Xingu, D. Erwin Krautler, fora atendido no pedido de uma audiência com o presidente em 22 de julho (ver Belo Monte: Carta a Lula) dirigida ao presidente). Seria uma oportunidade para que as lideranças do movimento pela preservação do rio expusessem seus motivos contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte (ou “Belo Monstro”, como é conhecida entre os diretamente afetados pelo projeto). O Correio da Cidadania também publicou uma mensagem do professor de engenharia mecânica da Unicamp, Oswaldo Sevá, entregue ao presidente Lula durante a audiência. Nela, Sevá relembrou as conseqüências nefastas dos projetos hidrelétricos previstos para o rio Xingu. Conseqüências, bom que se repita, mais do que suficientes para que Belo Monte “não deva ser licenciado nem implantado pelo seu governo, nem em nenhum outro”.

Eu soube pelos presentes à reunião que foram admitidos na sala oito representantes da oposição ao barramento do Xingu. E mesmo assim eles não puderam entrar com celulares, gravadores ou qualquer coisa que pudesse registrar o que aconteceria ali. Além do próprio D. Erwin Kräutler, participaram do encontro a senhora Antonia Melo (da Fundação Viver, Produzir e Preservar), uma das principais lideranças da resistência à construção da barragem e ligada a vários movimentos sociais, o professor do Instituto de Energia e Eletrotécnica da USP, Célio Bermann, e os procuradores da República e do Ministério Público Federal do Pará Felício Pontes e Rodrigo Costa e Silva. Além das lideranças indígenas presentes ao encontro (Ozimar Juruna e José Carlos Arara), que rechaçaram novamente e com veemência o empreendimento, diante de um presidente da Funai constrangido.

Com o apoio de slides, os quais transcrevo integralmente abaixo, Bermann fez uma apresentação focada na inviabilidade técnica e econômica do projeto visando chamar a atenção do presidente para alguns dos nossos argumentos:

“O projeto da Usina de Belo Monte é tecnicamente inviável, pois a potência instalada prevista, de 11.233 MW, só estará disponível durante três a quatro meses. O ganho de energia firme, de apenas 4.462 MW médios (1/3 do total), inviabiliza financeiramente o projeto.

1) Impacto humano bem maior do que vem sendo anunciado; mais de vinte e cinco mil brasileiros moradores de Altamira, da área rural da Transamazônica e barranqueiros do Xingu serão obrigados a se mudar, e isso os tornará ainda mais pobres;

2) A obra prevista é bastante complexa, com três grandes barragens de concreto, vários canais concretados, largos e longos, cinco represas nas terras firmes, entre a Transamazônica e a margem esquerda do Xingu, com dezenas de quilômetros de diques no seu entorno, mais uma grande represa na calha do rio, com a água entrando por bairros de Altamira – algo que custará entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. A depender dos contratos feitos, poderá provocar na economia nacional uma sangria duas ou três vezes maior do que os prejuízos que amargamos com os contratos da usina de Tucuruí desde 1984.

3) Seria em parte destruído e em parte totalmente adulterado um dos locais mais esplêndidos do país, 100 quilômetros seguidos de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas e outras relíquias arqueológicas – um verdadeiro monumento fluvial do planeta: a Volta Grande do Xingu”.

Não são nada claros os resultados práticos do encontro. O professor da USP considerou que o presidente ficou impressionado com esses dados, pedindo “estudos mais aprofundados sobre o empreendimento”. Um passo positivo, sem dúvida, mas estudos mais aprofundados não são necessários. As empresas do setor elétrico já fizeram seus estudos enviesados e garantem a aprovação da obra antes mesmo que o EIA-Rima esteja completo. Os ambientalistas já demonstraram inúmeras vezes a inviabilidade técnica, financeira, a falta de necessidade da obra, a possibilidade de fontes substitutas, os inúmeros crimes ambientais que seriam cometidos, a irreversibilidade dos impactos, as perdas com o turismo potencial etc. Diversos movimentos sociais e moradores das regiões afetadas já se manifestaram contrários à obra, mesmo com o enorme esforço de cooptação. As cartas já estão todas na mesa. A solução agora é política e, antes de tudo, ética.

D. Erwin avaliou a reunião como positiva, pois pela primeira vez conseguiram colocar para o presidente sua “angústia e indignação”, e que Lula, segundo avaliou, teria ficado sensibilizado com os dados apresentados e com os relatos sobre os impactos da obra para as comunidades ribeirinhas e indígenas, ficando claro que os críticos da barragem se prepararam muito bem e entendem do assunto.

O presidente Lula garantiu ao pessoal ali presente que Belo Monte só sai após ampla discussão e se for viável. E garanto que não é. E prometeu ao bispo do Xingu que esta não foi a última reunião e que “o diálogo e o debate continuarão”. O melhor que se pode falar do encontro, segundo os presentes, é que, ao ouvir os nossos motivos, o presidente afirmou que”jamais empurrará o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte goela abaixo das comunidades envolvidas”.

Acontece que, apesar da aparente boa vontade do presidente, o Ministério de Minas e Energia sustenta que o processo de licitação terá início já em outubro e quatro audiências públicas estão previstas para a primeira quinzena de setembro. Curiosamente, os ministros do Meio Ambiente, das Minas e Energia e da Casa Civil, convidados para o encontro, não compareceram, como se o que o presidente fala não tivesse nada a ver com as suas atribuições. O que poderiam ter de mais importante para tratar do que o futuro da maior e mais controversa obra do PAC? Naquela data, Dilma Rouseff estava nos EUA em uma cúpula cópula com empresários. Ou seja, encontrando-se com os maiores interessados no empreendimento.

O mais sinistro é que você, leitor, contribuinte brasileiro, é quem pagaria, através de financiamentos do BNDES e da participação de estatais, por boa parte dos custos desta empreitada de conseqüências devastadoras. As empresas como Chesf, Eletronorte, Furnas e Eletrosul poderão entrar juntas ou isoladamente no leilão para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Resumindo, o povo brasileiro todo irá financiar o lucro imediato das empreiteiras e o lucro a longo prazo das empresas mineradoras, mas não receberá os benefícios, pois parte dos lucros será remetida ao exterior, e o restante estará concentrado na mão de poucos. De quebra, o povo brasileiro ainda arcará com os custos ambientais.

Num encontro de especialistas de diversas áreas reunidos recentemente na UFPA, em Belém, para a discussão do Estudo de Impacto Ambiental da barragem, o biólogo e pesquisador do INPA Philip Fearnside comparou a mentira institucionalizada de Belo Monte àquela montada nos Estados Unidos com relação à Guerra do Vietnã: os jovens que se opunham à guerra (e, agora, à barragem) eram tachados de inconseqüentes irresponsáveis. Os que não podiam ser desqualificados como tal por serem respeitados intelectuais eram acusados de “mal informados”. Ainda em Belém, conversando com um burocrata do setor hidrelétrico defensor da barragem sobre as possibilidades de resistência ao barramento do rio, ele admitiu que somente um governo realmente autoritário, linha dura, “uma ditadura mesmo”, conseguiria levar a cabo a construção desta hidrelétrica. Ao insistir nesta idéia, com a perspectiva da realização do leilão de Belo Monte ainda este ano, sob a complacência do presidente Lula, a ministra Dilma pode dar um importante passo neste sentido.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Carta de Carnaíba do Sertão ao Povo do São Francisco, do Nordeste e do Brasil





De todos os cantos da Bacia do Rio São Francisco vimos nos encontrar em Carnaíba do Sertão, município de Juazeiro - BA. Somos 108 pessoas de 43 organizações sociais e movimentos populares – indígenas e quilombolas, pescadores e vazanteiros, lavadeiras e agricultoras, camponeses de fundos e fechos de pasto, estudantes, educadoras, artistas e operários, lutadores e lutadoras do povo. Conosco se somam a Frente Cearense e a Frente Paraibana no enfrentamento da malfadada transposição, além de companheiros de Brasília, Recife, Aracaju, Mossoró, Alemanha e Holanda, e o presidente do Comitê da Bacia. Trouxemos as marcas da degradação ambiental, social e humana que se abate sobre a Bacia do São Francisco nestes últimos 50 anos de avanço avassalador do capital. Com alegria e ânimo partilhamos nossas experiências e conquistas na defesa da vida, de nossos direitos, das terras e águas, das plantas, animais e gentes do São Francisco.

Neste II Encontro Popular da Bacia do São Francisco, fizemos o balanço de quatro anos da Articulação Popular do São Francisco, que congrega em torno de 300 entidades. Traçamos nossos planos de continuidade e avanço nos próximos dois anos. Indignados, denunciamos os crimes sociais e ambientais que se multiplicam atualmente num reciclado e retrógado surto de desenvolvimentismo – caso do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do governo federal. E partilhamos as esperanças e vontades renovadas em barrar a expansão desta engenharia e desta cultura de morte, ao mesmo tempo construindo um projeto popular de vida abundante e paz, em harmonia com o cosmos.

Vários relatos durante o encontro constatam que a exploração e a degradação aumentam. O agronegócio se alastra na onda dos agrocombustíveis, mesmo com a extinção de mananciais, perda de solo e assoreamento. A mineração, antes concentrada na região do Alto São Francisco, agora se generaliza em toda a Bacia. Novas barragens estão sendo construídas e muitas mais planejadas, nos afluentes e na calha principal, agravando o quadro de um rio refém do setor elétrico. O capital globalizado se faz surdo aos cada vez mais evidentes sinais da natureza e apelos da ciência, de que é urgente rever o modelo de civilização. O São Francisco perdeu 25% de suas águas nos últimos 50 anos e poderá perder o mesmo tanto nos próximos. Porque se insiste em exportá-las em forma de energia, frutas, grãos, etanol, minérios... Isto tem que parar.

As vítimas imediatas deste processo são as populações impactadas, em especial os pobres, as comunidades tradicionais da ribeira, do cerrado, da caatinga e da mata atlântica da Bacia – indígenas, quilombolas, pescadores, vazanteiros, moradores de fundos e fechos de pasto – e das periferias urbanas. Ainda e sempre precários em suas terras e territórios estão à mercê do modo autoritário e desrespeitoso das empresas e governos, que pouco difere do tempo da Ditadura Militar. Assim está acontecendo também o desalojamento de populações nos eixos da transposição, no CE, PB e PE. Muitos sem condições de permanecer migram para as cidades e tentam sobreviver no subemprego e à violência crescente, como nas regiões de Juazeiro e Petrolina. Isto tem que parar.

São elas também as que resistem e nos animam a lutar. Territórios têm sido defendidos (Barra da Parateca – BA) e retomados (Trukás – PE, Tumbalalá – BA e Xakriabás – MG), as comunidades recuperando suas culturas antigas e mais adequadas ao convívio fraterno e à harmonia com o meio-ambiente. Projetos têm sido impedidos: barragens (Gatos e Sacos, Pedra Branca e Riacho Seco - BA), incineração de lixo (Camargos - MG), mineração (Serra da Piedade –MG), irrigação de cana (Areia Grande – BA), turismo (Brejo Grande – SE), piscicultura (MOPEBA – BA). Afluentes têm sido revitalizados, como o dos Cochos (MG).

São elas também as que, em parceria com os movimentos sociais e ambientalistas da Bacia e do Nordeste Setentrional, têm feito a luta contra a transposição do rio São Francisco. Este projeto em obra pelo exército há um ano e meio não avançou mais que 4,9% (eixo norte) e 6,9% (eixo leste) e tem contratos superfaturados como denuncia agora o Tribunal de Contas da União. A revitalização, sem visão de conjunto, focada no esgotamento sanitário, não leva em conta a queda da quantidade da água. E ignora a devastação pelo agronegócio nas regiões das nascentes no Cerrado.

O cerne de toda a nossa luta é o Projeto Popular para o São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo, tema do nosso II Encontro, construção que se perde no tempo, mas se acha hoje mais que nunca pertinente aos desafios globais da crise ecológica e econômica e é resposta contundente ao desatino do desenvolvimentismo neoliberal. Nosso projeto é abrangente, plural e inclusivo, e se faz na prática, com protagonismo popular, diálogo com os saberes tradicionais dos povos e o conhecimento da ciência, intercâmbio de experiências no campo e na cidade, defesa e conquista de territórios, reforma agrária e regularização das terras públicas em favor das comunidades, fortalecimento da agricultura familiar camponesa agroecológica, soberania alimentar e energética, recomposição de matas ciliares, proteção de nascentes, moratória para o cerrado, convivência com o semi-árido, vazão ecológica, defesa da agrobiodiversidade, despoluição, impedimento de projetos degradantes, emprego decente, segurança pública, educação contextualizada, comunicação livre, afirmação cultural... Utopia? É, e é isso que tem faltado em nosso país e no mundo: a retomada do rumo, que só é alternativa real se for socialista com preocupação ecológica e não arremedos de um “capitalismo verde”.

Aos pré-candidatos à próxima eleição presidencial desde já cobramos clareza de posições a respeito destas questões. É o que vai nortear nosso voto. Mas o verdadeiro poder popular construímos na luta organizada que ocupa os espaços políticos da sociedade e os livra dos corruptos e corruptores.

Apelamos a todas as pessoas de boa vontade a se juntarem a nós. A prioridade comum deste momento é a Campanha Opará (www.saofranciscovi vo.com.br) que os povos indígenas do São Francisco lançaram para pressionar o Supremo Tribunal Federal a julgar ações contra a transposição, em defesa de sua soberania e a de seus territórios agredidos pela obra.

Das caatingas de Carnaíba do Sertão, das ribeiras dos pescadores e lavadeiras do Angaris, em Juazeiro da Bahia, vislumbramos um longo e árduo caminho pela frente, tal qual o Velho Chico – Opará – Rio-Mar enfrenta e nos ensina e convoca a enfrentar. “Melhor morrer do que perder a vida”, dizia Frei Tito Alencar. Melhor mesmo é “a alegria de ser mar”, canta Bené Fontelles. São Francisco Vivo, Terra e Água, Rio e Povo.



Rio São Francisco, 23 de agosto de 2009.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Liminar concedida à MONSANTO recolhe cartilha sobre produtos orgânicos - Vamos distribuir?

Liminar concedida à MONSANTO recolhe cartilha sobre produtos orgânicos - Vamos distribuir?
A cartilha "O Olho do Consumidor" foi produzida pelo Ministério da
Agricultura, com arte do Ziraldo, para divulgar a criação do Selo do
SISORG (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica) que
pretende padronizar, identificar e valorizar produtos orgânicos,
orientando o consumidor.
Infelizmente, a multinacional de sementes transgênicas Monsanto
obteve uma liminar em mandado de segurança que impediu sua
distribuição. O arquivo foi inclusive retirado do site do Ministério
Link para cartilha
http://d.yimg.com/kq/groups/20692184/1224809177/name/cartilha_ziraldo.pdf